A Polinésia Francesa é composta por 5 arquipélagos: Marquesas, Tuamotus, Society, Gambier e Australes (esperamos visitar todas). Começámos pelas ilhas Marquesas, por ser a rota mais curta vindo do Panamá.  

Nas Marquesas (de nome original Fenua Enata) antigos vulcões submergem das profundezas, a fertilidade da terra está à vista e começa na linha que separa o mar da terra. As águas são escuras, cheias de vida e os ancoradouros fundos e ondulantes. São muito poucos os portos ou baías completamente abrigados do swell que varre as ilhas em permanência. 

Raras foram as vezes que as linhas de pesca estiveram dentro de água e vieram sem peixe. Batemos recordes de peixes grandes, distribuímos por muitos amigos e deliciámo-nos com novas receitas. O Rodrigo até apanhou um peixe maior que ele. 

 

A chegada a Fatu Hiva, Baía das Virgens foi intensa, os enormes blocos que nos dão as boas vindas são imponentes e deixaram-nos embasbacados. O facto de termos estado 29 dias no mar amplifica os sentidos, mas a verdade é que mais nenhuma ilha nos causou este impacto. 

A conhecida simpatia dos marquesianos foi sentida assim que pusemos os pés em terra. A senhora a quem pedimos informações ofereceu a sua casa para pudermos utilizar internet e assim darmos novidades à família e amigos, e ainda viémos de lá com papaias, limas e toranja.  

Todas as vilas estão impecavelmente limpas e arranjadas, as casas são abertas e com ar frágil, mas aparentemente seguras, sempre de porta aberta. Têm quintal com árvores de frutos, as galinhas, porcos e cabras circulam livremente. Algumas até têm vacas e há mais cavalos do que automóveis.  

Apesar da enorme quantidade de galinhas, raramente as comem e não recolhem os ovos porque simplesmente é impossível saber onde estão. Há frangos de aviário congelados em todos os supermercados e uma dúzia de ovos custa 5 euros. Nós ainda vamos apanhar uma galinha “selvagem”… Os miúdos já prepararam e afiaram uns paus que encontraram e transformaram em lanças para as apanhar! 

Em Fatu Hiva fomos à cascata de Vaiee Nui, uma hora e meia de trecking com direito a umas valentes cargas de água alternadas com um sol radioso. Caminhando em estrada, lama, pedras e uma paisagem no vale de cortar a respiração. Demorámo-nos no banho purificador da cascata com galinhas como únicos espetadores. Pelo caminho havia montinhos de pedras que nos guiavam, alguns com fios de flores já definhadas mas que nos levaram a perceber que em alguma altura do ano este caminho serve de contexto a um ritual local.

Depois fomos para Hiva Oa, um dos portos de entrada no país. Aí oficializámos a nossa chegada e ficámos a saber que pudemos estar 3 anos por aqui. Vive la France! 

Também por aqui passaram o Gauguin e o Jacques Brel que estão sepultados em Atuona, a vila principal da ilha. Há várias estatuetas (tikis) esculpidas em pedra e em madeira ao longo da baía mas não nos demorámos muito. Apenas aproveitámos para comprar legumes e frescos e seguir viagem. 

Tahuata foi o destino seguinte, a promessa de uma baía com praia e água clara fez-nos apressar a passagem por Hiva Oa. E era mesmo verdade, a Baía Hana Moe Noa fez as nossas delícias por uns dias na companhia de outros barcos com crianças, com quem já nos tínhamos cruzado. Até fizemos um belo snorkel para apreciar as novas espécies de peixes e buzios e perceber o quão ricas estas águas são em tubarões. 

Visitámos também a Baía Vaitahu, onde está localizada a vila Viatahu, a principal da ilha. Chegámos num domingo solarengo, o pessoal estava animado, um grupo de homens jogava petanga junto ao mar, um grupo de mulheres jogava bingo no telheiro da escola e um monte de criançada pequena estava junto à doca em grandes mergulhos. Uma das mães ofereceu-nos um doce tradicional de mandioca, uma espécie de marmelada mais sólida, muito bom. 

Mais uma vez uma simpática família nos “emprestou” wifi e mais uma vez viémos cheios de limas, toranjas, mangas, laranjas e sorrisos. As pulseiras que fizémos na travessia tem sido muito bem recebidas e as meninas ficam todas contentes. 

A igreja Sainte Marie de L'enfant Jesus  é incrível, uma obra contruída com madeira local e pedras que serviram de lastro em antigos navios à vela. Um vitral imenso serve de pano de fundo ao salão principal, onde se misturam elementos da igreja católica e elementos locais. 

 

Depois de um saltinho à Baía Hanaipa em Hiva Oa, onde passeámos pelo enorme vale cheio de flores coloridas, seguimos para Ua Huka. 

A entrada em Vaipaee, também conhecida por Baía Invisível, foi feita com alguma adrenalina no meio de um squall e já quase sem luz. É uma baía comprida e estreita, mais uma onde a ondulação entra quando quer. Conseguimos fundear entre rajadas e chuva forte, respirámos de alívio quando tudo terminou. Havia outros 2 barcos no ancoradouro. 

O dia seguinte começou com um passeio pela ilha na companhia do presidente da câmara local e de uma família francesa de outro barco, que já conhecíamos de San Blas. Mas foi por acaso… estávamos nós na estrada, no passeio de reconhecimento habitual, e quando resolvemos pedir boleia foram eles que pararam.  

Visitámos outras duas vilas, duas oficinas dedicadas à escultura em madeira e vários centros de artesanato local e museus. Por toda a ilha há tikis e petroglifos (desenhos cravados nas pedras), quer em exposição, quer espalhadas pelos vales e localidades.

Aqui fizémos o nosso tiki, uma gravura e outros pequenos trabalhos em madeira e côco. Foram 3 manhãs de trabalho, aprendizagem e convívio com o Jean Baptiste, nosso tutor.  

O nosso tiki representa uma deusa grávida, na parte de trás tem gravada a cria que está no ventre. Tem a função de nos proteger nesta nossa epopeia. A gravura tem representada a nossa família, o mar, a educação das crianças, uma bússola que nos orienta, a fonte da vida, o ser humano em toda a sua diversidade, uma raia (animal protetor do homem), um nariz (representa a vida), duas tartarugas (representam o universo e fazem a ponte entre o mundo dos vivos e dos mortos) e uma cruz marquesiana. Esta foi uma das experiências mais gratificantes que tivémos de convivência com os locais, foi um mergulhar na cultura e história das Marquesas.  

No último dia, já a caminho do El Caracol e com as nossas prendas novas, o Capitaine e o Gonçalo resolveram fazer uma caminhada ao invés do ritual habitual de pedir boleia. Foram convidados por um senhor, que vigiava as suas cabras à beira da estrada, para irem a casa dele. Saíram de lá com meio cabrito, um saco de bananas, outro de beringelas, curgetes e uma fruta pão que fizeram as delícias da tripulação. A fruta pão é uma recente descoberta para nós, nasce em árvores mas cozinha-se e faz as vezes da nossa batata, uma das iguarias mais utilizadas por estas bandas. 

Depois de almoço saímos para uma velejada de 6h com rumo a Nuku Hiva, a principal ilha do arquipélago e onde se encontra a capital das Marquesas – Taiohae.   Reencontramos alguns amigos, atestámos gasóleo e fomos para o norte, conhecer o Vale de Anaho, bastante recomedado por ter uma das baías mais bonitas das Marquesas. E tanto gostámos que ficamos quase 2 semanas… 

É um ancoradouro muito abrigado, o melhor das Marquesas. Tem 3 praias e um recife de coral, meia dúzia de casas, muitas árvores de fruto e coqueiros, relva ao redor das praias, cavalos para transporte de pessoas e carga, galinhas, água potável e gentes amáveis. 

Este ano tem chovido mais do que o normal, o que não ajuda à claridade da água, os rios que se formam com as chuvadas arrastam lama e partículas para o mar, tornando-a muito turva e com pouca visibilidade para mergulhar. Mesmo assim ainda conseguimos ver 3 mantas gigantes que se alimentavam junto ao El Caracol, esperamos encontrar mais noutras ilhas. 

O peixe do recife não se pode comer devido à ciguatera, toxina que está nos corais e passa por toda a cadeia alimentar, mas para o polvo parece que não há problema. Com ajuda de uma senhora local o Capitaine aprendeu a distinguir polvos nos buracos do recife na maré baixa, enquanto a Lia e o Rodrigo recolhiam espécimes para a nova coleção de conchas e búzios. 

Aproveitámos para dar conta de toda a roupa que havia para lavar, foram 3 tardes de lavandaria animada em que toda a família participou. Lavar a roupa tornou-se um evento familiar! A relva e uma corda entre coqueiros serviam de estendal. 

Fizémos amigos novos de outros barcos e de locais. A Laura, mãe de 3 filhos da idade dos nossos e natural de Anaho foi companhia de vários dias, na maior parte dos quais saímos de lá cheios de frutas. Disse-nos também que podíamos encontrar vegetais numa quinta ali perto, em Haatuatua a 40 minutos de caminhada. Aí trocamos cabos por frutas diferentes e vegetais, pois aqui fazem muita falta para aparelhar os cavalos. 

De volta a Taiohae tínhamos por objetivo atestar combustíveis, mantimentos, resolver assuntos cibernéticos pendentes e partir para Ua Pou, último destino antes de 3 dias de mar a caminho das Tuamotu, o nosso próximo arquipélago. Mas as voltas sairam trocadas depois de termos visto um anúncio de trabalhos informáticos, num dos cafés que oferecem internet. O nome que constava no anúncio era típicamente português, enviámos um email e conhecemos o Beto, aqui residente há 6 anos. 

Adoramos conhecer portugueses pelo mundo, é sempre uma festa e falarmos a nossa lingua aquece o coração. Com o Beto fomos conhecer Vaipo, a maior cascata da Polinésia Francesa, uma queda de água com pouco mais de 300m de altura que desagua num vale único e de uma beleza incrível. Para lá chegar fomos no jipe do Beto, entre estrada de asfalto, terra, lama, riachos e caminhada de ficarmos com os sapatos presos na lama. Atravessámos um pinhal imenso, vegetação mais alta do que nós, caniços e mosquitada. A vista de cima fazia impressões na barriga de tão alto que estávamos mas a paisagem era um encanto. 

Visitamos também o sítio histórico Koueva na companhia do Beto e do Jacques , um historiador francês que também trocou o seu país de origem e veio estabelecer raízes em Nuku Hiva . Este sítio constituí um tohua, local onde ocorriam as cerimónias sagradas, e onde sacrificavam e comiam alguns humanos azarados. Há também várias paepae recuperadas, casas típicas do antigamente.  

A catedral, mais conhecida por Notre Dame das Marquesas foi também um dos pontos da visita guiada.

No dia antes de partirmos fomos passear à Baía de Hakatea, vizinha à de Hakaui onde desagua a água da cascata. A família do Beto acompanhou-nos, um wahoo pescado a caminho foi o almoço e a praia serviu de palco a brincadeiras e banhos. Assim nos despedimos de Nuku Hiva e rumámos a Ua Pou, a última ilha habitada das Marquesas que nos faltava visitar. Aqui também as montanhas oferecem uma vista inegualável. Um jogo de futebol Ua Pou – Nuku Hiva que decorria foi o evento mais empolgante da semana.

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