Nuku Hiva, Ilhas Marquesas, Polinésia Francesa, Pacífico Sul

15 de Junho de 2017

 

Revista Lusíadas (RL) - Porque decidiram fazer essa viagem pelas Caraíbas?

El Caracol (EC) - A vontade de viajar de barco era um sonho antigo do Jorge (pai/”Capitão”). Com a idade das crianças a avançar era agora ou muito mais tarde e, provavelmente, sem eles. Optámos por viver esta experiência agora e em família. A viagem começou nas Caraíbas porque foi aí que encontrámos o nosso barco, até preferíamos ter começado no Mediterrâneo... Mas entretanto já vamos no Oceano Pacífico, estamos neste momento na Polinésia Francesa - Ilhas Marquesas.

 

RL - O que é que a vossa família e amigos vos disseram? Qual foi a melhor reação e a mais crítica?

EC - De uma forma geral foi bem recebida apesar de muitas vezes nos terem chamado de “malucos” no bom sentido… o receio das tempestades, como íamos fazer com a escola, como as crianças íam sociabilizar, como íamos gerir o afastamento da família e amigos? Tudo questões pertinentes. A melhor reação foi a força e coragem que nos deram, a mais crítica foi que íamos dar cabo da vida dos nossos filhos, como é que eles íam aprender sem ir à escola?

 

RL - As crianças ofereceram resistência ou aceitaram sem pensar duas vezes?

EC - Ficaram muito entusiasmados desde o início, até porque tinham boas recordações de férias de Verão passadas no barco do irmão do Jorge na Ilha de Faro. Mas passados 2 meses de chegarmos às Caraíbas, a Lia e Gonçalo começaram a acusar as saudades dos primos e amigos e queriam voltar para Portugal. Houve um período de adaptação e depois entrámos todos no ritmo.

 

RL - Como é que financiaram a viagem? Quanto é que gastam por mês?

EC - Poupámos nos últimos anos e focámo-nos em conseguir concretizar o nosso objetivo. Dependendo do sítio onde estamos, a quantia que gastamos por mês pode varirar entre 700 e 1500 Euros, se não houver avarias no barco. A princípal despesa é com a alimentação seguida das despesas com a manutenção do barco.

 

RL - Como é que apareceu o El Caracol, já o tinham? Compraram-no para a viagem?

EC - Compramos o El Caracol para a viagem. Começamos a procurar barco em sites específicos e o Jorge chegou a ir à Turquia e Grécia, em Portugal não encontrámos nenhum com as caracteríticas que queríamos e dentro do nosso orçamento. Em Dezembro de 2014, por altura do Natal um amigo que estava com o seu barco nas Caraíbas viu o anúncio do El Caracol e enviou-nos a informção. Em Janeiro o Jorge foi à Martinica e foi amor à primeira vista. No dia 2 de Março de 2015 estávamos todos no avião a caminho das Caraíbas.

 

RL - Que conhecimentos de navegação é que têm? O que é preciso para fazer o que vocês estão a fazer?

EC - A Catarina (mãe/“almirante”) tem a carta de patrão de costa e o Jorge tem a de patrão local. Para além disso já trazíamos alguma experiência de vela adquirida em Portugal. A maior parte dos países é mais flexível do que Portugal no que diz respeito às habilitações necessárias para manobrar uma embarcação em alto mar, o que não deixa de ser curioso para um país que descobriu meio mundo por mar. O verdadeiro conhecimento foi sendo adequirido ao longo dos últimos dois anos, mas é claro que continuamos a aprender todos os dias.

Para além dos conhecimentos de navegação há outras valências que são igualmente importantes, é preciso ser-se um pouco de tudo, por exemlpo: mecânico, eletricista, professor, médico, psicólogo, cozinheiro, pescador, costureiro e português desenrrascado!

 

RL - Definiram a rota ou vão avançando ao sabor do vento?

EC - Enquanto estivémos nas Caraíbas tínhamos uma rota definida em função da época dos furacões. Os planos iniciais eram de termos atravessado o Canal do Panamá em 2016 e acabámos por fazê-lo só em 2017, mas com isso conseguimos ir até às Bahamas, um dos nossos locais preferidos até agora. Aprendemos que os planos são escritos na areia molhada da maré baixa e por isso vão sendo alterados. Nada é muito fixo nem rígido, a não ser que tenhamos visitas a bordo, nesse caso convém estar no sítio onde ele vão chegar na data marcada!

 

RL - Estiveram 29 dias em alto mar. Como ocuparam o tempo? Como reagiram os vossos filhos?

EC - Saímos do Panamá cheios de projetos e ideias para ocupar o tempo e acabámos por não conseguir fazer quase nada do planeado. Pensámos avançar com a escola, acabar alguns trabalhos de costura, aprimorar o material de pesca e terminar uns artigos do blog. Qualquer tarefa, por mais simples que seja, custa muito mais num barco em movimento do que em terra. Muitas vezes era mais importante descansar do que fazer alguma coisa. Acabámos por fazer o que nos custava menos, lemos sozinhos ou em voz alta para todos ouvirem (o Gonçalo leu 17 livros), fizémos pulseiras de fios para dar nas vilas aos locais, jogámos cartas e dominó, construções e brincadeiras em lego, vimos filmes, a Lia e Rodrigo deram ínicio a alguns trabalhos em madeira, pescámos, cozinhámos em conjunto, a miudagem praticou com o ukelele. Os filhos estiveram sempre muito bem, os pais alternaram os sonos ao longo do dia e da noite por causa dos turnos. Tem de haver sempre alguém de vigia, se bem que de dia a criançada dava uma ajuda.

 

RL - Os miúdos tiveram de ausentar-se da escola. De que forma substituem as aulas???

EC - Um mês antes de virmos para o barco fizémos a transferência para o ensino doméstico, a adaptação foi feita em Portugal. Quando fomos para as Caraíbas levámos os livros escolares correspondentes a cada ano letivo e a partir daí passámos a ser nós os responsáveis. Desde o ano passado que estão inscritos numa escola de ensino doméstico, a Clonlara (www.clonlara.pt) e estamos muito satisfeitos. As aulas são dadas de manhã, com os três no mesmo espaço. Para além do que está nos livros, por vezes analisamos ao microscópio alguns animais ou estudamos a história do local onde estamos.

 

RL - Acham que eles já aprenderam mais com esta experiência do que num ano letivo?

EC - Sem dúvida desenvolveram a lingua inglesa muito mais rapidamente do que quando estavam na escola, bem como as capacidades de sociabilização, responsabilidade e autonomia.

 

RL - O melhor sítio em que já estiveram? E a melhor experiência (nadar com golfinhos e baleias)?

EC - Gostámos muito das Bahamas pela sua beleza e diversidade marinha e por ter ilhas tão remotas que passavamos semanas sem ver ninguém. Bonaire encantou-nos pela qualidade dos mergulhos a qualquer hora do dia e também pela abundância de peixes e corais. Mas agora chegámos à Polinésia Francesa e é tão diferente de tudo o que já tínhamos visto que estamos maravilhados. A melhor experiência também é muito díficil de dizer, entre ouvir uma orquesta de baleias e golfinhos sem nunca os ver enquanto mergulhávamos em Guadalupe, mergulhar com baleias de bossa nas Turks&Caicos, com um golfinho solitário nas Bahamas, ter um tubarão-baleia com 11 metros junto ao barco no Panamá ou ver vários grupos de focas em alto mar ao passar a linha do Equador, ...

 

RL - E a situação mais complicada?

EC - Nas Ilhas Virgens Britânicas tivémos o azar de chegar enquanto estava a decorrer um evento de lanchas rápidas não oficial (e portanto não balizado ou vigiado) na baía onde nos deslocámos para abastecer de gasóleo e água. Quando demos por nós tinha acabado de passar uma das lanchas a mais de 100km/h a 3 m da proa do El Caracol, o evento era patrocionado por uma marca de bebidas e estavam todos muito “alegres”...

No Panamá, poucos dias depois de termos chegado, fomos apanhados por uma tempestade tropical e às 2 da manhã acordámos com o barco a arrastar a âncora, debaixo de um vendaval e chuva cerrada. Por pouco não batíamos no barco de uns amigos e foi complicado ancorar outra vez num fundo lodoso. As vilas das redondezas ficaram 1 semana sem comunicações e sem eletricidade e durante uns dias a estrada ficou cortada devido ao número de árvores caídas. Nessa noite perderam-se 11 barcos na baía ao lado.

 

RL - Encontram-se com mais famílias a fazer o que vocês fazem?

EC - Temos conhecido muitas famílias velejadoras e é sempre muito bom juntarmos as crianças e fazer novos amigos. A situação mais engraçada foi quando chegámos a um ancoradouro nas Bahamas onde só estavam mais 3 barcos e várias crianças na praia, acabámos por nos juntar para jantar, um barco com 6 adultos (os pais) e outro barco com 11 crianças (os filhos).

 

RL - Já sentiram saudades da civilização ou nem sequer pensam nisso?

EC - Só temos saudades da civilização quando estamos há muitos dias sem dar notícias à família e amigos e precisamos de aceder à internet.

 

RL - É possível voltar à terra, aos escritórios, às aulas, a picar o ponto, depois do que vocês estão a fazer?

EC - É difícil mas possível, tal como foi possível deixar tudo isso para estar aqui, mas... entretanto a bordo!

 

RL - O que é que pretendem que os vossos filhos retirem desta experiência única?

EC - Que fiquem com um conhecimento mais profundo do nosso mundo, dos diferentes povos e culturas, que a generalidade dos seres humanos é boa e generosa, mas sobretudo queremos que tenham muito boas memórias da sua infância. O gosto por viajar já tinham, mas agora ficou ainda mais cravado.

 

CRIANÇAS

RL - Custou-te a sair da escola?

Lia: Não porque gosto mais da forma como aprendo agora.

Gonçalo (Caco): Custou deixar os amigos e a saula de aula.

Rodrigo (Becas): Tenho saudades dos amigos e do judo, mas gosto das aulas no barco.

 

RL - O que é que já aprendeste nesta viagem?

L: Aprendi a fazer snorkel, a surfar, a estudar sozinha, a cozinhar, a pescar e a fotografar.

G: Desenvolvi o meu inglês porque a maior parte dos amigos que tenho feito falam inglês. Estou a aprender a fazer windsurf.

R: Aprendi a desenhar, a tocar ukulele, a fazer snorkel, programação e muita história.

 

RL - O que mais gostaste de ver e quando é que tiveste mais medo?

L: Gostei mais de ver o tubarão baleia e nadar com as baleias nas Bahamas e tive mais medo dos crocodilos no Panamá e quando os meus pais fazem os turnos da noite nas travessias.

G: Gostei mais de mergulhar com tartarugas nas Tobago Cays e de passear e fazer snorkel em Klein Curaçao. Tive mais medo da travessia de Bonaire para St. Martin.

R: Gostei mais de ver o tubarão baleia, de ter ao colo um guaxinim de mascarilha e nadar com baleias e com o golfinho, de quando comi cabra nas Ilhas Marquesas, quando pesquei com o meu pai um wahoo que era maior do que eu e de quando vi tornados nas Bahamas. Tive mais medo da travessia do Oceano Pacífico e da travessia de Bonaire para St. Martin e também de quando peguei num tronco que tinha um escorpião.

 

RL - Se fosses pirata, em que ilha das que conheceste é que desembarcavas?

L: Nas Bahamas.

G: Em Bonaire.

R: Nas Ilhas Las Perlas, no Panamá ou nas Bahamas.

 

RL - O que vais contar aos teus amigos quando regressares? Achas que vão acreditar?

L: Eu vou contar tudo porque os meus amigos também gostam muito de viajar. Vão acreditar porque temos a história e fotografias no nosso blog.

G: ...

R: Vou dizer que adorei e foi super fixe. Sim, vão acreditar porque isto não é um sonho.

 

RL - O regresso à escola é algo que vos deixa contentes ou aborrecidos?

L: Aborrecida, a não ser que a escola seja na Nova Zelândia.

G: Super contente porque vou ter amigos que não se vão embora para outro continente.

R: Contente porque ía aprender outras coisas que não aprendo no barco como o judo, esgrima e guitarra e aborrecido porque ía ter de voltar a usar sapatos.

 

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