Estamos há 3 anos em ensino doméstico. Ainda em Portugal e antes de virmos para o barco, optámos por transferir as crianças para esta modalidade para nos irmos adaptando. Sabíamos que os primeiros tempos iriam ser delicados... mudar de país, mudar de “casa”, mudar de estilo de vida, mudar de método de ensino..., já íam ser muitos "mudares".

Nas malas levámos os livros escolares correspondentes a cada ano de ensino. Já a bordo o ritual da escola sempre começou de manhã, depois do pequeno almoço. Dois pais para três filhos pareceu-nos uma boa média, tendo em conta que na escola é um professor para vinte e tal alunos.

 

 

Rápidamente nos apercebemos que eles se interessavam muito mais por tudo o que os rodeava do que pelos livros que tinham à frente. Os primeiros tempos foram moldando a forma como a escola decorre a bordo e ainda hoje tudo se vai adaptando conforme o sítio onde estamos, se estamos com outros barcos que também têm crianças, se estamos mais parados no mesmo sítio ou em travessias, etc.

 

Uma coisa é certa, o Gonçalo (o mais velho) é o mais responsável, adora ler e exceto algumas matérias de matemática em que pede ajuda, é praticamente autónomo no estudo. Quando tem acesso à internet pesquisa as coisas que mais lhe interessam e devora livros.

 

O Gonçalo e a Lia gostam de seguir o método tradicional da escola, têm cadernos, escrevem o sumário e a matemática têm um resumo com as fórmulas. Resolvem os exercícios e estudam as matérias das várias disciplinas. O Rodrigo já quando estava na escola não gostava, o ensino doméstico para ele é ouro sobre azul mas para nós ainda é uma dôr de cabeça no que toca a escrever, acreditamos que um dia lhe venha o gosto todo de uma vez!

 

O que acontece é que disciplinas como biologia, ciências e geografia fazem parte do nosso dia a dia, quando olhamos à nossa volta e analisamos tudo o que nos rodeia. Já tivemos várias aulas de observação microscópica de bichinhos estanhos que vão aparecendo (insectos maioritariamente), análise da composição dos peixes quando pescamos (incluindo o estômago e o que eles comeram), aprenderam a olhar para as nuvens e para as diferenças de temperatura e sabem antecipadamente se vem lá mau tempo, sabem de cor dezenas de espécies de peixes tanto de alto mar como de recife, iniciaram uma coleção de conchas e sabem identificar a maior parte.

 

Muitas vezes estudamos a geografia comparando as diferenças dos sítios por onde temos passado, tanto ilhas como território continental. Uma parte da história é feita in loco, tanto na visita a museus e locais históricos, como em passeios à descoberta de ruínas, conversas com os locais, etc.

 

Visita a um tohua (local onde ocorriam cerimónias sagradas e festivais), Marquesas Junho 2017

 

As artes e trabalhos manuais são das atividades favoritas a bordo, costura, bijuteria, macramé, pintura, desenho livre, trabalhos em côco, trabalhos em madeira, trabalhos em nacra (madre pérola), massa de moldar, pintura em vidro. Uma parte destes trabalhos passa por idas infinitas às praias à procura dos materiais.

 

Pintura de frascos de vidro de sementes, chá, pedrinhas

 

Trabalhos em massa de moldar num workshop de 7 crianças a bordo do El Caracol.

 

Lia e Rodrigo a preparem trabalhos em madeira. A Lia fez uma sardinha e o Rodrigo um lagarto.

 

A Lia a desenhar um lobo com o auxílio de um tutorial do youtube.

 

Em relação a actividades físicas, nunca praticaram tantas e tanto: snorkel e apneia, paddle, início ao windsurf e kitesurf, skateboard, mergulhos e mais mergulhos da proa, da popa, da lateral de frente, de trás, eu fico cansada só de ver!

 

 

A culinária passou a fazer parte do programa escolar a bordo. A lia é a cozinheira chefe da criançada, já se safa muito bem a preparar almoços, jantares e sobremesas. Seguem as nossas instruções, as receitas de livros e em conjunto com outras crianças preparam grandes refeições para malta pequena.

 

Na travessia Panamá - Polinésia Francesa a preparar o almoço, choquinhos apanhados no deck e batata frita

 

A fotografia é também uma das atividades favoritas, e têm evoluído imenso no detalhe e no enquadramento. O inglês com tanto convívio com outras crianças e de tanto verem filmes/documentários está num nível muito bom. Aliás o Gonçalo costuma dizer que o cérebro dele já só pensa em inglês...

 

O mais fantástico é que todas estas atividades são contabilizades para a aquisição de créditos que lhes permite irem avançando de ano escolar. Tudo é feito com a preciosa ajuda e dedicação da Escola Clonlara, recentemente disponível em Portugal. Para mais informações podem aceder ao site da escola (http://www.clonlara.pt/). "Onde estudar não é uma obrigação, é perseguir as paixões e apetências individuais de cada aluno, com o apoio da família e comunidade envolvente, numa estreita relação de confiança com os tutores da Clonlara." Obrigada Clonlara!

 

A escola nas nossas vidas passou a ser muito mais do que acompanhar os livros escolares, eles aprendem de tantas formas diferentes: em conversas com outras crianças, no dia a dia, em livros técnicos, em documentários, e claro o youtube. Cada vez gostam de mais coisas e mesmo que por vezes não aprofundem muito, aprendem o básico e sobretudo têm percebido que não há limites nem barreiras para qualquer aprendizagem.