Desde a passagem pelo Arquipélago das Tuamotu que tínhamos curiosidade em visitar uma “Ferme Perlier”, local onde são preparadas as nacras (ostras) para a produção de pérolas. Mas foi nas Gambier que por fim conseguimos ter uma explicação detalhada de todo o processo e uma visita guiada oferecida pelo próprio dono.
Estávamos nós em Rikitea, vila pricipal das Gambier, na fila para comprar gasolina quando mais uma vez nos foi dito que estava esgotada... era o segundo barco de abastecimento que chegava ao arquipélago já com as encomendas de gasolina todas preenchidas. O senhor que estava atrás de nós na fila disse que nos podia ajudar, tinha muita gasolina e podia vender-nos um bidon de 200l, só tínhamos de ir buscá-lo ao motu (pequena ilha) onde vivia, motu Tarauru. Com o evouluir da conversa percebemos que o Eric era o proprietário de uma das muitas quintas de pérolas que existem nas Gambier e ficou desde logo o convite para uma visita guiada.
Quinta das Pérolas, uma casinha simples à beira de água.
Grande parte das águas interiores da lagoa das Gambier estão organizadas em lotes parcelados e adjudicados para o propósito da produção de pérolas, o que torna a navegação muito dificil em determinadas zonas. É como entrar num campo minado, neste caso as minas são os cabos submersos que apesar de estarem assinalados com bóias, todos os anos apanham o hélice de um veleiro.
Lá vão eles colocar mais umas bóias…
Estávamos muito curiosos para perceber todo o processo de formação das pérolas, são cerca de 3 anos, muito trabalho, método e manutenção.
A primeira fase é a captação e desenvolvimento dos embriões da ostra perlífera. O processo de produção das larvas é subcontratado a terceiros, os donos das quintas compram metros e metros de cabos já com os embriões agarrados.
Nesta primeira fase, para o óptimo desenvolvimento e crescimento das ostras são escolhidos locais que tenham um fundo de areia de modo a minimizar a presença de predadores. Isto porque os ecossistemas em volta de corais atraem predadores como as tartarugas, raias leopardo e peixes (balliste e balão), que são os piores inimigos dos produtores de pérolas.
No processo de desenvolvimento das larvas são colocados uma série de cabos quase à superficie, mas é lá muito em baixo, a cerca de 25m de profundidade, onde estão as nacras macho e fémea adultos que são libertados os seus óvulos e esperma, em determiandas alturas do ano. À medida que se vão dirigindo para a superfície os óvulos são fecundados e as larvas então formadas desenvolvem pequenos filamentos que permitem a sua aderência aos cabos de recolha que estão mais à superfície e suportados por bóias.
São assim vendidos aos produtores de pérolas que os voltam a colocar na água durante cerca de 4 meses, envoltos em gaiolas anti-predarores, para que se vá formando uma concha mais sólida e resistente e até que atingam um determinado tamanho. Após esse período são retiradas da água e é feita uma triagem e limpeza.
Maternidade de nacras protegida por uma gaiola anti-predador.
Consoante o tamanho das conchas formadas, as ostras são separadas em diferentes grupos, são furadas no topo e atadas a um fio de nylon, que por sua vez é enrolado em volta de um cabo, mas desta vez em padrão de dupla hélice. Voltam assim para a água dentro de gaiolas para continuarem a crescer. As maiores ficam 4 meses dentro de água, as médias ficam 6 e as mais pequenas entre 9 meses a um ano.
Ostras em volta de um cabo em padrão de dupla hélice.
Cabos reutilizados muitas e muitas vezes.
Quando as ostras atingem um tamanho específico, vem a fase mais importante que é a da inserção de um núcleo esférico no seu interior, esta é a operação mais delicada de todo o processo e é aqui que entra a mão humana dos “greffeurs” (inseminadores), que são especialistas nesta operação. Há cursos específicos para a formação nesta tarefa apararentemente simples. São necessários vários anos de estudo e de treino (e muitas nacras) para a taxa de sucesso desta operação ser o mais elevada possível.
Os melhores greffeurs são escolhidos a dedo para as Quintas de Pérolas. Para dar ínicio ao processo de inserção é necessário sacrificar primeiro algumas nacras, de modo a ser retirado a parte do tecido embrionário da zona correspondente à côr da pérola que se pretende. As Gambier são conhecidas pelas pérolas negras, por isso a camada de tecido retirada é muito estreita e corresponde à periferia da nacra, onde a côr do tecido é mais escura.
Aqui já foi cortado o tecido periférico, correspondente à zona entre os polegares. É fácil verificar que a côr da nacra é bem mais escura.
A extração é feita com um bisturi e depois de lavado em água salgada, o tecido é cortado em vários pedacinhos e só então está pronto a ser inserido dentro de uma nova ostra juntamente com o núcleo desinfetado. Este núcleo é feito de concha de mexilhão do Mississipi, fabricado no Japão!
Vários tecidos embrionários retirados de nacras “sacrificadas”.
"Graffeur” no processo de inserção do pedaço de tecido embrionário e do núcleo dentro do saco reprodutor.
Depois do processo de insersão as ostras voltam para a água, amarradas a uma espécie de paletas, para irem crescendo com este corpo estranho no seu interior. Se não fôr rejeitado a ostra vai adicionando várias camadas de madre pérola, pelo processo de calcificação, tal e qual como se o núcleo fosse a sua própria concha. É assim que se forma a pérola.
Nacras jovens após inserção prontas para voltarem para a água.
Ao final do dia de trabalho todas as paletes são colocadas na água a uma profundidade de 3m, ficando suspensas através de bóias.
Após um mês o núcleo estará revestido com uma camada de madre pérola transparente que vai gradualmente ganhando a côr desejada e só ao fim de 2 a 2,5 anos as pérolas estão prontas.
Obtem-se assim o tamanho mínimo de pérola. Este processo de inserção pode repetir-se colocando um núcleo maior em conchas mais crescidas de modo a que o revestimento se repita mas com vista a uma pérola maior.
A nossa visita não incluíu a recolha de pérolas, uma vez que não era a altura, mas mais tarde recebemos umas pérolas imperfeitas e rústicas que nos encheram as medidas!
Este método de produção de pérolas é relativamente recente e começou a ser utilizado em grande escala em 1962. Noutros tempos eram grãos de areia que davam origem às pérolas, que eram todas recolhidas na natureza.
Nome científico da ostra perolífera: Pintada Margaritifera
Inventor deste método: Kichimatsu Mikimoto, japonês, início do século XX
Taxa de rejeição após inserção: 20% a 30%
Taxa de pérolas imperfeitas: 20%
Taxa de pérolas comercializáveis: 50% a 60%
E lá conseguimos o nosso bidon de 200 litros gasolina distribuído pelos diversos jerricans e para partilhar com outros velejadores.