Nas vésperas do Natal de 2017, e após 4 dias em motorsailing e muitas ondas de través, soube bem entrar na imensa lagoa das ilhas Gambier. Assim que chegámos sentimos que estávamos num misto de todos as ilhas da Polinésia Francesa. No centro da lagoa emergia Mangareva, a principal e maior ilha, mas dando uma olhada geral apercebemo-nos de várias ilhas altas e verdejantes como as Marquesas e de pequenos motus em redor da barreira de coral que circunda o arquipélago, tal como nas Tuamotu, parecia a “Polinésia dos pequeninos”.
À chegada, os amigos austríacos do veleiro L'Avenir contactaram-nos por VHF e assim ficámos logo pela ilha mais perto do passe Este, Taravai. Daí a dois dias a festa ía ser rija com um almoço de Natal em “família”, com tripulações de mais de uma dezena de barcos; a ementa seria cabra e porco selvagem cozidos em forno polinésio oferecidos pelo dono da casa, o Pierre, francês velejador que aqui chegou há 6 anos. Os acompanhamentos, sobremesas e bebidas seriam da responsabilidade dos velejadores.
Almoço de Natal em Taravai.
Os preparativos do forno, que não é mais do que um buraco escavado na terra, começaram à 1h da manhã. A terra já estava escavada mas era preciso aquecer as pedras numa fogueira, colocá-las no buraco, cobrir com folhas de coqueiro, seguindo-se a carne, mais folhas, pedras e por fim terra. Faz lembrar um cozido nas furnas… a carne demora 5 a 6 h para ficar cozida e só depois é retirada e servida. O Capitaine e crianças deliciaram-se, a Cat ficou-se pelos acompanhamentos à base de vegetais. Choveu, levamos tudo para dentro, fez sol, trouxemos tudo para fora, jogámos volei, petanga. Já com a noite cerrada dançámos à luz de uma enorme fogueira, foi um bom ínicio para os 3,5 meses que passámos nas Gambier, o local que escolhemos para estarmos protegidos e longe dos ciclones.
Muitas vezes voltámos a Taravai para estarmos com amigos e sobretudo com uma simpática família local que tem dois filhos. O mais velho estava apenas de férias, por ser época de Natal, e de resto passa o ano no Taiti, onde estuda na escola.
A partir do 9º ano de escolaridade os alunos têm de escolher entre parar os estudos ou ir viver para Papeete (a capital da Polinésia Francesa no Taiti). Há aviões fretados só para o transporte de alunos na altura do Natal e do Verão para que possam estar com a família, sendo os preços comparticipados pelo governo francês. Nas Gambier, por ser um arquipélago muito afastado da zona central da Polinésia, após o 9o Ano a escola tem cursos técnicos para os alunos que optam por não ir para o Taiti. Exemplos destes cursos são eletrotecnia, soldadura, carpintaria e o que mais nos fascinou, escola de gravura em nacra.
Almoço a bordo do El Caracol com a família de Taravai (aqui o Hervé e a Valerie).
Chill out em casa do Hervé e Valerie; à esquerda o Alan, o filho mais velho.
Desde que chegámos às Gambier que a Cat tentou frequentar uns dias nas aulas de gravura. O processo não foi fácil, não é algo que seja costume pois os materiais utilizados para o trabalho são delicados, exigem precisão e são caros. Foi na última semana que finalmente conseguiu ter umas aulas de gravura em nacra, dando em troca o mesmo número de horas em aulas de macramé a uma das turmas dos mais velhos.
A Cat a dar aulas de macramé.
E a aprender na aula de gravura.
Trabalhos realizados pela Cat.
As nacras são ostras enormes e além de serem utilizadas para a produção de pérolas, as conchas depois de limpas e trabalhadas servem de ornamentos pessoais e decorativos em igrejas e edifícios públicos. Esta escola está localizada na ilha de Mangareva, a ilha principal, onde existem os supermercados, enfermaria, policia, câmara, etc… é também a mais habitada e o único local com internet.
Decoração em nacra na Catedral de Rikitea (Ilha Mangareva), tudo o que brilha é nacra.
Em Mangareva subimos o Monte Duff, o mais alto do arquipélago com 411m, fomos duas vezes lá acima e das duas vezes apanhámos chuva: fomos benzidos, portanto. Dizem os locais que quem vai às Gambier e não sobe o Monte é como se nunca lá tivesse estado! A vista lá de cima é soberba, conseguem ver-se todas as ilhas e motus e a barreira de coral em volta da grande lagoa.
Rikitea, a vila pricipal, vista do topo do Monte Duff e uma nuvem carregadinha a chegar. O El Caracol é um dos barquinhos lá em baixo à esquerda.
Nas idas lá acima levámos sempre vários tuperwares vazios para enchermos com framboesas selvagens que crescem à beira do trilho, deliciosas, vermelhinhas e doces. Fizémos compota, cheesecake e também as comemos frescas.
Uma framboesa apetitosa.
Toca a encher os tupperware.
Aliás, sempre que passávamos por Mangareva, quer para abastecer, quer para aceder à internet, aproveitávamos para encher o barco de papaias, bananas, abacate, abóbora, limas, toranja, lichias, framboesas, mangas e fruta pão que apanhávamos das árvores nos terrenos abandonados, até já tínhamos um circuito habitual…
Eu e a Anne Marie na apanha das abóboras (fizémos doce, risotto, sopas, pastelinhos, ...)
As bananas são sempre aos cachos…
O nosso tempo foi dividido entre kite nos pequenos motus Tauna e Puaumu, surf na ilha Kamaka, churrascadas, volei e petanga em Taravai, trilhos principalmente em Mangareva e Taravai, snorkel um pouco por todo o lado, observação de crias de aves nos motus Tauna e Kouaku. Conhecemos mais uns quantos barcos e os seus tripulantes e fizemos novas amizades, daquelas que ficam para a vida.
Em Kamaka o surf não é como na Costa da Caparica.
Primeiros saltos do Capitaine.
Churrascada em Taravai em casa do Edward e da Denise, um leitão no espeto. A Lia, Rodrigo e Mathies na fila para o pitéu.
Campeonato de vólei em casa do Hervé e da Valerie, na companhia da tripulação do L'Avenir.
Trilho em Mangareva – Travesse, o antigo caminho que ligava a parte sul e a norte da ilha.
Um juvenil no motu Tauna.
Fizemos algumas saídas de pesca com o El Caracol mas não pescámos nada, apenas 4 tubarões por acidente! Um deles foi pescado pelas crianças, mas todos foram libertados sem mazelas de maior, ficaram com uma afta. Em terra fomos acolhidos pelos locais como nunca tínhamos sido, convivemos, trocámos histórias, recebemos frutas, vegetais, peixe, marisco, pérolas e em troca fizémos pão, bolos, compota, demos medicamentos. Fiz o meu primeiro colar de flores e o Jorge foi pela primeira vez à pesca ao largo com uns profissionais locais de lancha, veio de olhos a brilhar com o atum que apanharam. Também visitámos uma quinta de pérolas (próximo post no blogue!).
Colar de flore feito com a ajuda da Valerie.
O Jorge com os compichas da pesca.
Nas Gambier também recebemos a visita do nosso amigo Pedro Pinto. Foi a segunda vez que veio, a primeira tinha sido um ano antes no Panamá. Foi um óptimo pretexto para visitar aquelas ilhas pequenas que nos faltavam e para fazer um circuito integral dentro da lagoa. Volta sempre Pedro, que és um excelente tripulante!
McPinto a bordo.
E pela primeira vez a bordo tivémos um RATO! Não fomos só nós, pelo menos outros 3 barcos do ancoradouro em Mangareva se queixaram do mesmo. Supomos que o coitado tenha chegado a nadar depois de uma chuvada forte e ter subido pela corrente. Foi logo catado pelo Capitaine à procura de comida a meio da noite, a remexer nos pacotes de bolachas, mas conseguiu escapulir-se para o porão da âncora. Ao fim de 2 dias conseguimos apanhá-lo mas só ao fim de 4 é que demos com o rasto de todos os sítios por onde tinha passado…
O nosso Mickey.
Feijão, lentilhas e pão ralado estiveram nos produtos eleitos da despensa.
As Gambier são abastecidas de 20 em 20 dias com a chegada dos barcos Taporo ou Nuku Hao, vindos do Taiti com combustíveis, alimentos e encomendas várias. O porto principal transforma-se num campo de batalha e Rikitea num reboliço de gente, carros e bicicletas para trás e para a frente.
Chegada do Taporo ao porto de Rikitea, a vila principal da Ilha Managareva.
Invariavelmente lá estávamos na fila do supermercado, porque em poucas horas os produtos frescos e de melhor qualidade desapareciam num instante.
Os três meses e meio passaram num irepente e em Março já estava na hora de ir embora, deixámos as Gambier na companhia do Silverland, o barco pirata mais cool destas bandas... http://sailing-silverland.nl/en/
O Silverland e o El Caracol a caminho das Ilhas Austrais.
Este é um dos arquipélagos menos visitados devido à grande distância das ilhas centrais, mas sem dúvida uma das maiores pérolas da Polinésia Francesa, até porque é daqui que saem para todo o mundo as famosas pérolas negras!
Até à próxima Gambier!